quarta-feira, 19 de março de 2014

A eliminação da discriminação racial começa em casa!

Dia 21 de março é a marca da ONU para reflexão ao racismo, pelo Massacre de Shaperville em Joanesburgo em 1960. Como já citei aqui e repito, (para que não esqueçam e porque sempre temos novos leitores), nasci na cidade de Uruguaiana e me criei entre os meios urbano e rural, mais precisamente nos distritos do Imbaá, depois em São Marcos e na Barragem Sanchuri.

Na década de 1970 vivia em São Marcos, na barranca do Rio Uruguai, de frente a Yapeju, Província de Corrientes, Argentina, época em que meu pai fora diretor do projeto Cidade dos Meninos da FEBEM, quando convivíamos fraternalmente com aquela gurizada interna, onde de certa feita eu e meus irmãos (Quico, Renato e Leila Fagundes de Abreu) éramos internos também.

Pela segunda vez morávamos num orfanato, a primeira fora no segundo quartel da década 1960, na Escola Assistencial Santa Rita que virou Sociedade de Amparo ao Menor de Uruguaiana que a FEBEM encampou.

Como era lindo ter muitos irmãos para brincar de tudo, só nos separávamos quando íamos para o colégio, do contrario éramos unha e carne, sempre juntos, inventando o que fazer para passar o tempo, principalmente nos finais de semana. 

Naquela irmandade, tinha guri de todos os pelos, tamanhos, idades e raças, bem distribuído e harmoniosamente vivendo brancos, pretos, índios e mestiços, tendo como base moral a das igrejas católica e metodista, nunca vi alguma briga por questões raciais ou privilégios, tudo era comum de todos, deveres e direitos iguais.

Certa feita em São Marcos num final de semana, combinamos eu e o Quico, meu irmão mais moço, irmos a um baile no salão da Colônia das Rosas, no distrito de João Arregui, lindeiro da Barragem Sanchuri e de Itaqui, assim convidamos o Canhão, nosso irmão negro interno da SAMU e de FABEM, com quem fomos criança e estávamos juvenis.

O Canhão ficava no orfanato nos finais de semana pela distância de casa, ele era de Viamão, de nome Vilmar, compleição mediana, sadio, forte, muito alegre, disposto, amigo para qualquer cruzada, sempre estava disposto e o apelido era porque tinha um pataço no futebol além de ter uma pele cor de petróleo.

Então naquele sábado de verão quando anoiteceu, nos ajeitamos e logo que o pai se recolheu para dormir, pé, por pé eu peguei a chave do carro e o trio, na surdina, sacamos empurrando o Chevrolet Opala da garagem, e quando estávamos numa distância boa, funcionei o motor e nos tocamos para o baile, mais faceiro que pato na taipa do açude, louco pra chegar n’agua.

Em João Arregui, o surungo estava formado, estacionamos perto da entrada, na bilheteria pedi logo três ingressos, dai quando adentramos uns quatro paços no salão, alguém da portaria falou, vocês dois podem passar, mas aquele rapaz não. Na hora exclamei – porque não, se ele pagou ingresso? E o cara respondeu: Porque ele é negro!

Olhei para o Vilmar e ele meio encabulado falou, vão vocês que eu espero lá fora. Juro, me deu vontade de prender o pé naquela classe escolar que fazia vez de balcão da portaria, mas os bons costumes me impediram, olhei para o Quico e disse, se ele não entra eu também não vou entrar, o Quico em cima do laço largou por deboche, e nem eu fico nesta bosta.

Assim pegamos os pilas, saímos e retornamos para casa fazendo graça para não chorar do triste episódio e desde então me indago: Porque tem gente que se acha superior a outras porque é branco, como se a cor da pele fosse o reflexo da alma?

Que bom que naquela década surgiu o Rei Pelé, o maior atleta de futebol do mundo de todos os tempos e que nesse milênio temos um negro como o homem mais poderoso do planeta, mandando no baile da Casa Branca.  E até hoje sinto vergonha pela Colônia das Rosas que por certo murcharam e morreram indignadas ao verem tanta ignorância exalada pelo odor do preconceito.                          

Para pensar: A alma é branca e o espírito é luz, a cor de cada corpo, foi naturalmente imposta pela condição do habitat.

Fonte! Coluna Regionalismo, por Dorotéo Fagundes de Abreu, do dia 18 de março de 2014. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário